Olá!

A Ani, do Entre Chocolates e Músicas, conseguiu para mim, junto à sua parceria com a Rocco, um exemplar de Vulgo Grace. Até então, só conhecia Margaret Atwood da mídia. Agora virei fã e quero tudo dela. Resenha originalmente postada no EC&M.
SKOOB - Baseado numa história real, Atwood nos leva ao Canadá do século XIX, exatamente no ano de 1843, quando Grace Marks, uma empregada doméstica de 16 anos, é acusada de matar seu patrão, Thomas Kinnear, e a governanta (e amante) dele Nancy Montgomery, em cumplicidade com James McDermott, um suposto amante, que também trabalhava na casa. Com o furor sensacionalista de então, a mídia (tipo Datena e Sonia Abrão) deu seu veredicto, assim como o juiz, declarando Grace culpada e sentenciando-a à pena de morte.

Mas, alguns pauzinhos foram mexidos e a pena de Grace foi revertida para prisão perpétua. Justamente a parte que mais interessava a todos simplesmente sumiu. Todos queriam saber como foi o duplo homicídio, mas Grace alegou que tinha se esquecido de tudo. Porém, a mente de Grace era muito mais complexa do que se imaginava e os anos seguintes da jovem foram divididos entre a penitenciária e o manicômio, onde era subjugada de todas as formas possíveis.

Até que aparece o dr. Simon Jordan, um jovem norte-americano, bem-nascido, estudioso da mente humana, mas não um médico e sim um psicólogo. Após andanças por parte da Europa, ele se interessa pelo caso de Grace, único até então e resolve incluí-la em seus estudos. Ele também desejava abrir uma clínica psiquiátrica em sua cidade natal.

E com o dr. Jordan, vamos mergulhar na mente de Grace, em que ela contará sua vida desde o início, que começou lá no Norte da Irlanda, passando pelas casas aonde trabalhou como criada e até chegar na residência do sr. Kinnear, onde sua vida tomaria um rumo impensável. E não podemos nos esquecer de Mary Whitney, personagem muito importante da trama.
Até então, eu só conhecia Margaret Atwood por causa de O Conto da Aia (que desejo muito ler). Vulgo Grace me foi uma grata surpresa. Saber que isso realmente aconteceu dá um ar muito mais margem para discussão, apesar de o desfecho surpreender ao leitor – será que ela realmente matou o casal Kinnear-Montgomery?

Ao mesmo tempo que você ou ama ou odeia a jovem, podemos ver também como era o Canadá naquele tempo, totalmente diferente da nação que conhecemos hoje. O leitor atual dirá que era um país retrógrado, com ideias machistas e misóginas, onde as crianças são postas para trabalhar desde muito cedo e Grace, com apenas 16 anos, já é uma mulher com muita história pra contar. Graças às descrições impecáveis de Margaret, vemos com perfeição como era a moda e costumes naquela época – e, naquele tempo, era importante falar de moda porque era ela quem pontuava quem era da alta e da baixa classe.

Se o leitor de hoje for jovem, ele pode se incomodar um pouco com o português extremamente culto usado na tradução. Ora, está se contando uma história que aconteceu há mais de dois séculos, a linguagem também sofreu influência nesse tempo. Eu, particularmente, não me incomodei, mas como eu andei numa semana problemática (inferno astral?), admito que isso me deu um pouco de sono.

Vulgo Grace deve ser lido com atenção redobrada, pois temos dois pontos de vista que se alternam sempre, sem aviso prévio. A história de Grace é contada em primeira pessoa, por ela mesma, mostrando como é um ponto de vista de uma criada (nada muito diferente de hoje, mas com pré-conceitos bem mais estabelecidos), o modo como ela conta sua história é feita sem floreios, sempre indagando diversos conceitos (geralmente machista/misógino) da época (que, vejam só, ainda existem em pleno 2017, quase 18!).

Já o ponto de vista do dr. Jordan é contado em terceira pessoa, mas também mostrando os receios e pensamentos dele. Gente como a gente, ele acabará se encantando pela nossa protagonista. Vale ressaltar também que ele é uma pessoa muito boa para com Grace, um dos poucos que não fez chacota dela nem a via como um monstro enviado diretamente pelo demônio para atiçar a vida das vítimas. E nem a maltratou, o que, pra mim, foi crucial para gostar dele.

Por fim, recomendo a obra muito satisfeita com o que li sobre Margaret Atwood, uma autora que está na estrada há muito tempo, mas só agora está recebendo sua cota de mainstream, com obras que, mesmo sendo escritas anos atrás (Vulgo Grace foi escrito em 1991), têm questionamentos que estão com força total e se encaixam perfeitamente no contexto de 2017.

P.S.: já assisti à série da Netflix e recomendo, muito bem feita, tudo bem ambientado e fiel ao livro, até mesmo as falas são idênticas. Isso se deve, talvez, pela supervisão de Margaret, que acompanhou de perto a produção. Na série, Grace é interpretada magistralmente pela atriz Sarah Gadon (A Nona Vida de Louis Drax; A Jovem Rainha).

“Se todos nós fôssemos julgados por nossos pensamentos, seríamos todos enforcados.”
“Uma prisão não apenas tranca os detidos dentro dela, como mantém fora todos os demais. Sua prisão mais forte é ela quem constrói.”
“Homens como ele não têm que limpar a sujeira que fazem, mas nós temos que limpar nossa própria sujeira e mais as deles. Nesse aspecto, são como crianças, não têm que se planejar ou se preocupar com as consequências do que fazem. Mas não é culpa deles, é como foram criados.”
“[...] e quando você é encontrada com um homem no quarto, você é culpada, não importa como ele tenha entrado.”