Olá!

Através da Ani, que tem parceria com a Arqueiro, ela me cedeu um exemplar de A Pérola que Rompeu a Concha, livro de estreia da afegã-americana Nadia Hashimi. Resenha originalmente postada no EC&M.
SKOOB - A Pérola que Rompeu a Concha na verdade são duas histórias em uma. A primeira é da Rahima. Ela mora numa aldeia no Interior do Afeganistão com seus pais e quatro irmãs. E nenhum irmão. E todos sabemos que na cultura afegã (no islã como um todo) o nascimento de um menino é muito comemorado, enquanto o da menina não. Então apenas imaginem como devia ser a vida de Madar-jan (a mãe) e suas filhas.

Até que, um certo dia, por questões do momento, Rahima escolhe ser uma bacha posh, ou seja, passaria a se vestir como um menino. Como tinha pouco mais de nove anos, estava dentro da idade. O pai de Rahima era um viciado em ópio e agia como um afegão comum (aquele que estamos acostumados a ver): maltratava toda a família. Como um bacha posh, Rahima podia sair às ruas sozinha e fazer alguns mandados para a mãe.

Como ela – enquanto menina – e as irmãs estavam proibidas de ir à escola, todas se juntavam para ouvir as histórias de Khala Shaima, tia delas, irmã de sua mãe e com um grave defeito em sua coluna, o que fez com que ela jamais conseguisse se casar. E Khala Shaima tinha uma incrível história para contar, a de Shekiba, a trisavó de Rahima.

Na segunda história, há muitos anos, Shekiba vivia numa aldeia no interior do país. Ela tinha vários irmãos e irmãs e era muito amada pela toda a família. Até que sofreu um acidente e ficou com cicatrizes em metade de seu rosto. A partir daí sua vida virou um inferno, piorado com a epidemia de cólera que assolou o país nos anos 1910 e matou praticamente toda a família, sobrando ela e o pai, que morreria depois, de tristeza.
Com a morte do pai, ela passou a viver na casa da avó paterna – lembrando que, quando uma afegã se casa ou perde a família, ela sempre vai viver na família paterna – onde trabalhava muito e sofria mais ainda. Até que, como parte de pagamento de uma dívida do tio, ela foi parar no reino, para ser guarda do harém do rei. O que não seria uma tarefa difícil, tendo em vista que precisaria se vestir como um homem.

Apesar das cinco gerações que as separavam, Rahima e Shekiba tinham muito em comum, muito mais que poderiam imaginar. E saber da existência dessa trisavó deu uma nova esperança para Rahima, ainda mais depois que se casou de modo arranjado, tendo a mesma carga – ou mais – de sofrimentos.

Bem, primeiro que não consigo enxergar os povos muçulmanos com bons olhos – tenho respeito, mas quero distância deles, cada um no seu quadrado – então, por causa do meu preconceito, sempre evito obras que abordem muçulmanos. Não tem como não se indignar com as arbitrariedades que fazem com as mulheres, e o que é pior, usam deus como plano de fundo – nada dele, tudo para e por ele.

Sim, eu li O Caçador de Pipas (final decepcionante) e A Cidade do Sol (tenho medo do Rashid até hoje) mas essas obras em nada chegam perto da preciosidade da obra de Nádia. O jeito ir ela escreve e a história que ela conta são de uma riqueza única, me fazendo imaginar como era o país antes da corrupção, Talibã e outras coisas envenenarem o povo. Apesar da autora ter nascido nos EUA, nem parece que é ocidental, tamanha a precisão com que narra os acontecimentos. Consigo me ver nas ruas da aldeia, sofrendo com cada uma delas.

Entre os personagens, de longe me simpatizei com Khala Shaima. A tia desbocada e sincera, que defendia as meninas, sem ter medo de ninguém. Há também a parlamentar Zamarud, que ganhou meu respeito apenas por ser uma mulher no Parlamento – acham pouco? Nossas protagonistas não ficam atrás. Cada uma com suas dores, em seu tempo, mas com problemas tão comuns e reais e visíveis, alguns deles identificáveis por nós ocidentais, outros que nos são inconcebíveis, como os casamentos arranjados e burcas e hijabs e xadors. Várias vezes quis entrar no livro e socar todos os homens, por serem uns malditos. Nossas protagonistas foram tratadas como objeto, moeda de troca e escravas, como tolerar coisas assim?
Algumas coisas não fazem sentido para mim quando ouço falar no islã. Tipo, como os homens de lá podem ser considerados bons quando só vejo aqueles que agridem suas esposas e tá tudo certo, isso sem falar nos que possuem mais de uma esposa. Como é que Alá, Deus ou quem quer que seja permite isso? Quando penso em muçulmanos, vejo Talibã e muitos como o já citado Rashid (de A Cidade do Sol) e agora Abdul Khaliq, marido de Rahima. Segundo a própria autora, antes das guerras, as mulheres estudavam, viajavam e faziam muitas coisas, assim como nós ocidentais, depois disso, nem sair de casa podiam. Me é simplesmente inconcebível. Diversas vezes me peguei pensando em como a mulher vale menos que o lixo e ainda assim continua lutando. Mas, me parece que quanto mais lutam, mais difícil e cansativo fica. Às vezes gostaria de que não existissem religiões no mundo.

Foi uma leitura edificante, aprendi muito sobre desde a cultura local e termos em árabe a luta diária das mulheres em sobreviver numa sociedade muito mais machista que a nossa, é o que é pior, num estado que não é laico. O que diferencia o Brasil do Afeganistão é que, pelo menos, oficialmente, ainda podemos professar nossa fé, seja ela qual for, sem o Estado para encher o saco. Eles são uma República Islâmica – eu que não quero levar meu catolicismo pra lá.

No mais, é um livro lindo que nos faz refletir sobre muitas coisas que não damos valor – e a educação é uma delas. Meninas dão a vida – literalmente – para poder frequentar a escola. A história da Malala é um ótimo exemplo para entendermos o poder da educação e como ela transforma aqueles que são ignorantes (no sentido de que não conhecem as coisas).

"Não tente parar um burro que não lhe pertence."

"- Rahima, você sabe quanto eu amo a Alá. Sabe que me curvo diante d'Ele cinco vezes ao dia, com todo o meu coração. Mas quero que me diga qual dessas pessoas que dizem coisas assim falou com Alá para saber qual é o verdadeiro nasib."

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