Olá!

Já falei várias vezes aqui no blog que amo/sou a literatura latino-americana, aquela tão consagrada e cheia de Nobel de Literatura. Meu ídolo maior é Isabel Allende (tomara que um dia ganhe o Nobel), mas gosto de outros também, e Vargas Llosa é um deles. E Cinco Esquinas, seu último livro, é o resenhado de hoje.
Logo de cara, Cinco Esquinas começa com uma cena de sexo entre Chabela e Marisa, que se conhecem graças a seus esposos, respectivamente o advogado Luciano Casasbellas e o engenheiro Enrique "Quique" Cárdenas. Porém, Marisa não sabe se a noite de amor com a amiga foi sonho ou não. Ela passa o dia seguinte pensando nisso.

Estamos no Peru dos anos 1990, sofrendo com a ditadura de Alberto Fujimori (que continua vivo, preso e ativo na política local) e, por trás das câmeras, sendo governado pelo Doutor (cujo nome não é revelado, mas pesquisei e descobri que ele existiu também). A população tem medo: roubos, sequestros, os grupos paramilitares Sendero Luminoso, MRTA (só pra citar os mais famosos) estão tocando o terror na sociedade - como em qualquer ditadura. Todos os veículos de comunicação, como sempre, estão entre a cruz e a espada. Exceto um, o semanário Revelações.

Quem dirige o Revelações é o jornalista Rolando Garro, a personificação do que é chamado de Jornalismo Marrom - aquele que denigre a pessoa, popularmente conhecido como jornalismo sensacionalista. Pois bem, sendo um instrumento do governo, o Revelações tem como objetivo publicar os podres de diversas figuras públicas do "mundo do espetáculo" - artistas, cantores, dançarinos, etc.

Rolando possui umas fotos comprometedoras de Quique, feitas dois anos antes. Ele chantageia o engenheiro, que, obviamente, recua. As fotos, claro, são publicadas e, a partir daí, o terror toma conta de Cárdenas, homem importante dentro e fora do Peru. O semanário, dessa vez, deixou de lado os artistas para jogar na lama uma reputação até então ilibada. E como se fosse pouco, deixou o Doutor em fúria. E agora, o que será de Cárdenas, cujo sobrinho foi sequestrado dois meses atrás e não se tem notícia? Como recuperará sua dignidade? E a transa de Chabela e Marisa, foi real ou só sonho?
Na literatura latino-americana, que tanto amo (e muitos torcem o nariz sem conhecer), Mario Vargas Llosa é o meu segundo autor favorito (em primeiro, Isabel Allende, sem pestanejar). Ele consegue, como poucos, prender a atenção do leitor a ponto de fazê-lo driblar o sono para poder terminar a história.

Todas as histórias escritas por MVL se passam em bairros reais de Lima. Em boa parte das obras, ele fala do bairro de Miraflores, onde passou parte de sua infância. Mas aqui, quem protagoniza é Cinco Esquinas, conhecido nos anos 90 pela alta taxa de assassinatos, portanto, um bairro pobre. A história é ficcional, mas, ao se misturar com personagens reais - Fujimori, Sendero Luminoso, MRTA - dá a impressão de que tudo é verdade. Ainda por cima, a gente aprende um pouco da História do Peru.

Outro ponto levantado pelo autor é o jornalismo. O Revelações é um instrumento do governo para manter os rivais acuados, um exemplo de jornalismo marrom, mas, aqui, o jornalismo também exercerá sua função original, de denunciar e servir à sociedade. E isso, ao longo da trama, torna-se muito interessante - ainda mais para mim, que sou jornalista e consigo me ver em alguns personagens.
A edição da Alfaguara, selo de títulos latino-americanos da Cia. das Letras, está muito bonita, capa condizente com a trama, só uma coisa que me incomodou foi a fonte do título, muito grande - em relação às capas de outros títulos desse selo, que seguem um padrão, está muito diferente. Mas tudo bem, é apenas um detalhe que não apaga o brilho da história.

Cinco Esquinas é mais do que um livro que fala sobre jornalismo, ou política, ou amizade, é um livro que fala de um pouco de tudo. Sem contar na alfinetada que MVL dá em Fujimori, seu eterno rival - lembrando que o autor e o ditador concorreram às eleições em 1990 e o nipo-peruano levou a melhor, em apuração polêmica, já que não se tem certeza se Fujimori é peruano ou japonês. A ditadura acabou em 2000, quando ele fugiu para o Japão, depois para Santiago do Chile, onde foi preso, tentou renunciar por fax e depois deportado para o Peru, onde cumpre pena e segue em atividade política, através de sua filha/testa de ferro, Keiko. Mais do que recomendado.