Olá!

Tenho que admitir que demorei demais para ler. É verdade que meu francês não é tão fluente (na verdade é bem básico), mas eu não podia não ler Violette Leduc. Sendo assim, consegui numa parceria pontual (e exclusiva) com a Livraria Francesa um exemplar. E é um pecado que só tenha conseguido seu merecido reconhecimento no fim da vida. E é outro pecado ela não ter sido traduzida para o português.
GOODREADS - Pelo que pude compreender da obra, La Bâtarde (A Bastarda, em tradução literal) é uma espécie de diário de Violette, que escrevia sua vida no "papel quadriculado" (um caderno cujas páginas realmente são quadriculadas, onde escreveu este livro). Desde sua tenra infância, em que sua mãe não se importava muito com ela, Violette, aliás, é filha ilegítima de uma criada e, não só por isso, teve uma vida difícil.

Sendo amiga de muitas personalidades da época, como Maurice Sachs e Simone de Beauvoir, que escreveu o longo prefácio deste livro - inclusive é nele que Simone responde a Violette que "no deserto há flores", quando, num momento de solidão, Leduc lhe confessa, em carta, que "é um deserto que monologa". Confesso que essa frase me partiu o coração (daí me identifiquei e simpatizei com a autora), Leduc relata como sofria com sua aparência, que julgava feia, em detrimento da notável beleza de sua mãe.

Leduc foi uma mulher de muitas paixões, e o livro mostra bem isso, assim como também mostra suas aventuras sexuais e o comportamento imoral (para a época). Em contrapartida, vemos sua excessiva carência, em que me deixou com uma faca de dois gumes: ao mesmo tempo que eu entendia sua solidão, me irritava com seu desespero em encontrar alguém para chamar de amor, ou de amigo. É possível encontrar vários conceitos feministas na obra, muito antes do feminismo surgir e se consolidar como conhecemos.

Tenho pra mim que a autora era homossexual, como é possível ver em algumas passagens do livro, porém ela também se relacionava com homens, o que, além de ser considerado imoral naquele tempo (e infelizmente ainda hoje) vemos que ela era à frente de seu tempo, mesmo com sua educação parca (seus estudos foram interrompidos pela guerra), ela tinha um talento nítido para a literatura. A obra permeia o que ela mais sentia de profundo, sendo assim, considero que é uma história de valor inestimável.
"Meu caso não é único: tenho medo de morrer e estou desolada de estar no mundo. Não trabalhei nem estudei. Chorei e gritei. As lágrimas e os gritos estão me tomando um pouco de tempo. [...] O passado não alimenta. Eu irei como cheguei. Intocada, carregada de meus defeitos que me torturam. Gostaria de ter nascido uma estátua, sou uma lesma sob meu estrume."
Meu interesse por Leduc surgiu quando vi o filme autobiográfico "Violette", cuja personagem é interpretada por Emmanuelle Devos, que, pra mim, é parte da Santíssima Trindade do cinema francês, completado por Audrey Tautou (Amélie Poulain) e Isabelle Huppert (As Falsas Confidências). A produção foca na amizade de Leduc com Simone, uma amizade que beira a obsessão, até.

E como me vi em alguns momentos da vida da autora, precisava muito conhecer a escrita dela. E isso foi possível graças à Livraria Francesa, referência nacional em publicações neste idioma. Vale ressaltar que este exemplar veio importado, logo, somente desta forma é possível adquirir quaisquer obras de Violette. Aliás, faz muito tempo que um livro não me toca tanto como La Bâtarde. As palavras cruéis e sinceras da autora fazem com que você reflita sobre si mesmo. Você pode comprar este título e muitos mais no site da Livraria Francesa.

Essa foi uma das resenhas mais difíceis de se fazer, pois como disse no início, meu conhecimento em francês não é tão bom assim, logo, posso ter me confundido em um ou outro aspecto durante a leitura. Ainda assim, Leduc é uma mulher que deveria ser conhecida (e reconhecida) por todos, pois sua escrita é algo que foge do comum, uma mulher à frente de seu tempo que só queria seu reconhecimento. Será que ela conseguiu? Talvez, mas perante os leitores e seus amigos de alto calibre, porque a mídia nunca lhe deu a visibilidade que tanto merecia.

Violette Leduc nasceu no mesmo dia que eu, em 7 de abril de 1907, em Arras, na França, e morreu em 28 de maio de 1972, em Faucon, no mesmo país. Sua mãe, Berthe, morreu oito meses depois. Além de La Bâtarde, ela escreveu diversos livros, entre eles Therese et Isabelle, um relato autobiográfico, L' Asphyxie (A Asfixia), alguns de seus maiores sucessos. Se estivesse viva, em 2017 ela completaria 110 anos. 

Olá!

Só agora estou pegando o gosto por romances históricos. E A Paixão de Tiradentes, escrito pela dupla Assunção-Boisson me foi uma grata surpresa, até porque tem uma pegada de suspense. Vem conferir a resenha.


SKOOB - Misturando ficção com fatos reais (amo), A Paixão de Tiradentes vai começar com o jovem Philippe irredutível em seu desejo de estudar no Brasil. Ele é francês e decide estudar geologia em nosso país, especificamente em Ouro Preto. Ele não pensa em desistir, mas quando sua mãe morre (não é spoiler porque isso acontece nas primeiras páginas), mais do que nunca ele quer vir - contra a vontade do pai, claro.

Mas, antes de morrer, a mãe de Philippe o presenteia com uma imagem barroca. Uma santa. E não é uma imagem qualquer, é uma escultura feita por ninguém mais e ninguém menos que Aleijadinho, creio eu que é o maior escultor que esse país já viu. O jovem acha o presente uma bela bosta, mas acaba aceitando só pra deixar a mãe feliz. E qual não foi a surpresa quando, ao deixar cair acidentalmente a imagem, a mesma se abre e revela algumas coisas dentro dela!

E essas coisas são alguns - vários - diamantes e uns manuscritos escritos por Teresa de Carvalho, viúva de ninguém mais e ninguém menos que Tiradentes! Um dos primeiros mártires deste país teve parte de sua história registrada por sua segunda esposa, e esses papeis chegaram às mãos de Philippe, que, estupefato, resolve fazer uma cópia para levar ao Brasil, para que ele pudesse estudar com Véronique, tia de sua mãe.

Em Ouro Preto, Philippe conhece a jovem Gabi, por quem acaba tendo uma quedinha, pois nunca vira garota tão simpática em sua vida. Ele também revê Véronique, que vai se debruçar no conteúdo encontrado na santa. Conforme vão lendo, vão descobrindo mais e mais sobre o que foi a Inconfidência Mineira. Só que Philippe e Véronique não são os únicos interessados, mais alguém quer muito os diamantes e os manuscritos também...
Recebido em parceria pontual com a Livraria Francesa, A Paixão de Tiradentes é romance histórico misturado com suspense. Muito melhor que muita aula de História que tive na vida, o livro vai contar, com pitadas de ficção, o que aconteceu nos idos de 1789, quando Tiradentes (na narrativa é chamado de Xavier) e mais uma galera, revoltada com a possibilidade de uma derrama*, pensou em fazer uma revolta, afim de evitar o pagamento do imposto abusivo - olha o povo se fud**** desde o século XVIII...

* Para entender o que é a derrama, primeiro você precisa saber o que é o quinto. O quinto é um imposto que os cidadãos pagavam para a Coroa para cada quilo de ouro encontrado no país. Ou seja, se você encontrasse um quilo de ouro na colônia, 20% ia para Lisboa - que, por sua vez, repassava à Inglaterra para pagar dívidas. Como nem todo mundo pagava o quinto em dia, a dívida ia acumulando. A derrama é, basicamente, o confisco de bens e ouro para atingir as 100 arrobas anuais (ou uma tonelada e meia) de ouro que os mineradores deveriam pagar referente ao quinto.

Só que a Coroa nunca cobrou a bendita derrama. E descobriu a Inconfidência. Todo mundo foi preso, inclusive o maior judas do Brasil, Joaquim Silvério dos Reis, mas só o Tiradentes foi condenado à morte. Silvério foi perdoado e os demais envolvidos pagaram com trabalho forçado na África até morrer. Teresa conta como isso aconteceu com uma impressionante riqueza de detalhes. Detalhes esses que só quem viu pode contar.

E mesmo sendo ficção, os autores - separados por quilômetros de distância; Marc é francês e mora na Cidade do México. Stefânia mora no Brasil - conseguiram escrever uma história muito bem feita, rica em detalhes reais, sem ficar chato ou cansativo. A Paixão de Tiradentes é narrada em terceira pessoa, mas em dois tempos diferentes: em 2017, em Paris e Ouro Preto; e no século XVIII, através dos escritos que Teresa deixou.

Publicado originalmente em 2013, atualmente só pode ser encontrado no site ou nas unidades da Livraria Francesa, em uma edição exclusiva da LF Publicações (editora da marca Livraria Francesa). De início parece ser uma leitura mais adulta, mas a escrita é fluida e de fácil compreensão, sendo acessível para todas as idades. Devorei esse livro em um dia, tamanha era minha vontade de saber quem matou a mãe de Philippe e também dos pormenores da Inconfidência Mineira. Edição bem feita, sem erros de nenhuma ordem. Só não gostei das folhas brancas, mas a editora compensou usando uma fonte tipográfica um pouco maior - o que não fez as letras ficarem "sambando" na minha cara.

Enfim, A Paixão de Tiradentes foi uma grata surpresa para mim, agradeço à Livraria Francesa, representada pelo Vladimir, que foi quem me cedeu o exemplar. Espero que a editora publique mais obras da dupla, caso haja, porque gostei bastante da temática, ainda mais por saber que tem um estrangeiro que escreve tão bem (e sem preconceitos) sobre nosso país e nossa cultura.