Olá!
A Ana, do EC&M, através de parceria com a Arqueiro, conseguiu para mim um exemplar de Entre Irmãs, um livro maravilhoso que recentemente virou filme. Uma história de ficção, mas que poderia ser real, dadas as circunstâncias. Resenha originalmente postada no Entre Chocolates e Músicas.
SKOOB - Entre Irmãs vai contar a história das irmãs Luzia e Emília, que vivem na pequena Taquaritinga do Norte, no sertão pernambucano. Elas vivem com a tia Sofia e são costureiras de mão cheia. Emília sonha em se casar e ter uma família; já Luzia, por causa do braço defeituoso, não será muita coisa na vida, já que ninguém vai querer se casar com uma moça com um “problema grave”. A coitada era chamada de “Vitrola” porque o braço ficou dobrado, como se fosse uma vitrola de disco de vinil.
Estamos na década de 1920 e o cangaço está em seu auge. O Carcará, por onde passa, causa estragos. Ele e seu bando são o terror dos coronéis. Aliás, o coronelismo é muito forte no lugar (o que não é diferente de hoje, em cidades pequenas/povoados do Nordeste). As moças têm uma vida até tranquila: fazem as tarefas domésticas, vão à escola do padre Otto e costuram para a esposa do coronel Pereira, cliente fiel, além de frequentarem o curso de costura dado pela esposa do coronel quando esta comprou uma máquina Singer.
Porém, a vida delas vai mudar quando Carcará chega à Taquaritinga do Norte e “solicita” os serviços de Sofia e das moças. E será nesse momento em que elas vão se separar. Anos depois, Emília é a senhora Degas Coelho, uma família tipicamente recifense. Os Coelhos são conservadores e, por causa de sua relevância na cidade, são muito respeitados. O dr. Duarte Coelho, pai de Degas, não mediu esforços para abrir o Instituto de Criminologia, que tem como objetivo principal medir e verificar os crânios das pessoas – principalmente dos cangaceiros.
Sim, naquele tempo era comum medir a cabeça das pessoas para verificar se era possível saber, entre outras coisas, se uma pessoa seria criminosa ou honesta. Na época, tinham vários estudos sobre isso no país e o dr. Duarte era uma referência no assunto. Enquanto o patriarca estava às voltas com suas cabeças, Emília sofria em aprender as regras morais da sociedade local – por incrível que pareça, nada muito diferente de hoje.
Naturalmente, as opiniões das mulheres não tinham lá muita importância, elas sequer votavam! Assim como a autora descreve, as mulheres brasileiras só puderam votar a partir de 1932, após intensa movimentação durante o governo Vargas. Emília, que já não era mais a jovem inocente da caatinga, tinha diversas obrigações, mas nunca se esqueceu da irmã.
Luzia agora era a “Mãe” do bando de Carcará. Depois que se uniu ao bando – de livre vontade, devo dizer – ela comeu o pão que o diabo amassou para obter o respeito dos homens. Mas, pior que os cangaceiros, era a caatinga. Cruel e implacável, o sertão transforma homens e mulheres em sobreviventes. Não há água, o sol suga a energia das pessoas, para onde você olha, seca e mais seca. É uma lástima, de verdade. E Luzia, que nunca teve grandes expectativas, passou a ser alguém. E, como não podia ser diferente, também nunca esqueceu a irmã.
Primeiro, tenho que dizer que estou encantada com a trama! Nem parece que Frances passou boa parte da vida fora do país, tamanha facilidade em explicar os termos sociais/culturais/econômicos do país entre as décadas de 20 e 30. Dado o tempo em que Emília e Luzia viveram, infelizmente o machismo é visível em boa parte da obra. Mas isso não deve afastar o leitor, pelo contrário, são livros como esse em que podemos compreender bem a importância de lutar contra o machismo, e entender como esse mal não vem de hoje e está tão arraigado na sociedade que acabou virando lugar-comum.
Conforme entramos na leitura, parece que podemos ver tudo claramente: o sertão, a casa de tia Sofia, a escola do padre Otto e, mais adiante, a mansão da família Coelho, as mulheres das duas grandes sociedades locais, que faziam o bem não pensando no próximo, mas pensando em aparecer nas colunas sociais. Muita coisa que hoje parece abominável, naquela época era considerado natural – não necessariamente honesto ou não. Além disso, só o fato de que o livro ganhou um prêmio importante, portanto, estrangeiros demonstraram interesse pela história, já é algo muito relevante, tendo em vista que nem todas as opiniões sobre o Brasil são as melhores, infelizmente.
Por um forte desgaste mental, acabei demorando muito para concluir a leitura, mas se você tem tempo livre, em quatro dias você percorrerá as duas décadas de história. Aliás, o livro em si, mesmo se tratando de uma trama de ficção, tem muito de História do Brasil. É o tipo de livro que professores podem muito bem indicar aos alunos para que possam entender o que foi a República Velha, por exemplo. Claro que não se conta tudo, porém as personagens conseguem situar o leitor no período, fazendo com que ele compreenda o início da República com grande facilidade.
Por mais que a autora seja brasileira e o Brasil seja o retratado, eu não considero essa obra literatura nacional, pois não foi publicado originalmente aqui, mas isso não significa que não tenha sua importância. Aliás, só o fato de não ter sido publicado aqui é algo a se reparar. Quantas editoras americanas publicariam algo sobre um país da América Latina que fuja dos estereótipos? Não sabemos. Talvez o cangaço e a caatinga tenham lá seu charme fora do país.
Sendo assim, faz-se necessário dizer que a escrita da autora é muito boa. O Booklist indicou o livro para os fãs de Isabel Allende. E eu, como fã da chilena, posso afirmar que o site tem razão. E olha que não sou dessas de confiar em indicações de sites especializados, já que nem sempre eles acertam. A ficção com pitadas de fatos reais (uma coisa que amo, aliás) é marca registrada de Isabel, e como disse, tem muito no livro de Frances.
Enfim, recomendo o livro para aqueles que querem entender uma parte importante da história do país e também para quem quer conhecer uma realidade cruel e intocável do Brasil. A Arqueiro fez uma edição impecável, sem nenhum tipo de erro e a capa é o pôster do filme, que conta com as atrizes Nanda Costa e Marjorie Estiano nos papéis principais.
"Nunca confie na fita de um estranho."
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